Cultivar as cidades

16-05-2011 12:41

 

VÍDEO

Cultivar as cidades

As hortas comunitárias conquistam as cidades e ganham novos ocupantes. Visitámos três hortas urbanas, duas em Lisboa e outra no concelho de Cascais, e descobrimos quem são estes "agricultores das horas vagas"

Sandra Pinto (texto), Marcos Borga e Álvaro Isidoro (fotos), José Pinto (vídeo)
21:18 Terça feira, 22 de Fev de 2011
 

Quando pensamos em hortas, o nosso pensamento afasta-nos das grandes cidades e projeta-nos para as aldeias. Descobrimos, agora, que estes novos espaços de cultivo existem bem perto dos residentes de Lisboa e de Cascais. Estão "escondidos " no meio dos prédios das novas urbanizações, como é o caso da Horta de Outeiro de Polima (na freguesia de São Domingos de Rana, Cascais), na movimentada zona da Graça ou inserida no Parque Monteiro-Mor, que pertence ao Museu Nacional do Traje, em Lisboa.

Com diferentes ambientes e regras de funcionamento próprias, em todas elas encontramos utilizadores de todas as idades e ocupações profissionais, que têm em comum a forte motivação e amor à natureza.

Aqui, a falta de experiência na área da agricultura não é suficiente para os afastar das enxadas e das foices, seja no verão seja nos dias mais frios do inverno. Mais do que aquilo que retiram da terra (que todos confessam ser um complemento saudável à sua alimentação), trocam-se conhecimentos, experiências e combate-se o stresse. Sem dúvida, um lugar de trabalho mas também de convívio.


A HORTA DO MONTE

 

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O primeiro residente a chegar à horta localizada num terreno entre a Rua Damasceno e a Calçada do Monte, em Lisboa, foi Joaquim Lopes da Silva, 79 anos, reformado há quase uma década da cozinha da Cervejaria Trindade, em Lisboa. Um dia, ao passear o cão, deparou-se com muitas pessoas em frente a esta horta. Parou, perguntou e foi convidado a participar. Mas naquele dia recusou a oferta. Mas quando por ali passou uma segunda vez, não conseguiu resistir ao apelo e há três anos que se dedica ao seu talhão e também a ajudar todos os colegas.

 

De Arco de Valdevez, a sua terra natal, trouxe 26 anos de experiência de vida dedicada à lavoura, que nem os 34 anos de cozinheiro conseguiram matar "as saudades de trabalhar a terra". Gosta de aqui vir quase todos os dias, simplesmente para se entreter e apanhar sol (mas também vento e chuva). "E sempre faço exercício físico", explica. Não mede palavras quando fala do seu colega de trabalho alemão, da parcela vizinha: "Criámos um género de sociedade, onde fazemos trocas comerciais ", diz, bem-disposto. Luz Bilro, 46 anos, é a segunda "agricultora " a chegar. Neste momento está a preparar a horta para as colheitas de verão (em breve, espera vir a semear abóboras, feijão, alfaces e rúcula). Chegou ali em agosto de 2010 e lá continua a ir todas segundas, quartas, sextas e sábados. A motivação ganhou-a após ter participado num workshop na Agrobio, mas quando os vasos da varanda deixaram de ser suficientes para saciar a sua vontade de trabalhar a terra, procurou mais e encontrou o que precisava nesta horta localizada na Graça.

Quem também apareceu foi a norueguesa Astrid Susaas, 27 anos, socióloga, a viver em Lisboa há três meses. Depois de ter tomado conhecimento deste espaço, através da internet, não adiou a vontade de participar na horta comunitária. Sem nada previamente marcado, apareceu e apresentou os seus serviços, os quais foram aceites, no momento, pelos colegas. A sua primeira tarefa foi cortar as ervas daninhas, de forma a criar caminhos, a qual desempenhou com um sorriso nos lábios.

Mas esta horta não seria a mesma sem a presença de Inês Clematis, a sua dinamizadora. Sobre esta experiência diz: "É feita das pessoas que por cá têm passado. E o que nós gostaríamos de preservar é exatamente esse 'espírito orgânico' que todos os participantes se sintam parte integrante."

São estes pensamentos que fazem que a "horta esteja mais próxima de um ritmo de crescimento natural, de acordo com os próprios princípios da natureza".


OUTEIRO DE POLIMA, CASCAIS

 

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Neste dia apresentaram-se ao serviço Alberto Caetano, 77 anos, Manuela Viegas, 57, Nadir Pacheco, 53, Guida Marques, 42, e Hugo Henriques de 34. Todos têm em comum um talhão com 15 metros quadrados, na horta localizada em Outeiro de Polima, no concelho de Cascais. Mas também o gosto pela terra e a boa disposição. Em poucos minutos percebemos quem é o elo mais forte desta quinta: Alberto Caetano e foi precisamente com ele que começamos a conversa.

 

Como vive a poucos minutos da sua parcela de terra, no verão é frequente vê-lo por estas paragens, "quase todos os dias". Mas quando o tempo arrefece e a terra não exige regas frequentes, como é agora o caso, elege os fim de semana para dar uma espreitadela às suas culturas.

Mas não é à toa que mantém este protagonismo. Dedicou toda a vida à agricultura. "Nunca fui um hortelão, fui um produtor de algodão, em África. Mas também me dediquei ao gado e ao leite cá em Portugal", avança. Seja pelo gosto de ver e cuidar de plantas (Manuela Viegas), pelo prazer de estar ao ar livre e no campo (Nadir Pacheco), por já ter algumas bases nesta matéria (Guida Marques) ou por se dedicar a um passatempo (Hugo Henriques) a verdade é que estas idas à horta já fazem parte da rotina de todos os nossos "agricultores". Aqui não se trocam apenas couves, ervas aromáticas, alfaces, alhos ou cebolas as experiências valem muito mais do que o "material" trocado. "Na horta perdemos a noção do tempo", acrescenta a técnica de informática Manuela Viegas. "E também se ganham amigos", acrescenta o sorridente Alberto Caetano. Estes motivos, aliados ao facto de os "produtos terem outro sabor", reforçam a vontade de cultivarem.

No concelho são, ainda, disponibilizadas aos munícipes outras cinco hortas com propriedades idênticas a esta (em funcionamento estão já as hortas localizadas no Alto dos Gaios, no Outeiro de Polima e no Bairro de São João e em Carcavelos, brevemente, vão estar a do Bairro 16 de Novembro, Alto da Parede e São Pedro do Estoril), todas elas criadas no âmbito do projeto Hortas de Cascais, da Agenda Cascais 21. Para os responsáveis Joana Silva e André Miguel, os objetivos passam por "potenciar o espírito comunitário, promover a sustentabilidade e dinamizar estes espaços pertencentes à autarquia".

Para se inscrever, precisa ser residente neste concelho (é obrigatório), pagar uma taxa simbólica de €5, participar na aulas de formação (quatro sessões de duas horas, duas práticas e duas teóricas), cumprir as regras estabelecidas no regulamento, assim como utilizar as técnicas de agricultura biológica.


NÚCLEO DE HORTAS DO MUSEU NACIONAL DO TRAJE

 

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Para Jorge Tavares, 59 anos, as visitas à sua horta são uma verdadeira terapia. No ano passado, quando recebeu os cerca de cem metros quadrados para cultivar, não tinha qualquer experiência nesta matéria, por isso foi necessário arregaçar as mangas e pôr mãos à obra. Acrescentou à sua rotina novas tarefas, como a pesquisa na internet (de mais informações) sobre agricultura, especialmente em modo biológico (a que pratica), mas também fez investigação no terreno. O que inicialmente começou por ser um "desafio interessante" e uma "afinidade pela terra" rapidamente se transformou numa obrigação (no bom sentido). "A terra chama por nós", desabafa. Um "chamamento" que Jorge Tavares tenta responder sempre que a sua disponibilidade lhe permite. E a terra parece agradecer o seu esforço e dedicação exibindo saudáveis colheitas de morangos, pimentos, couves, favas, pepinos ou tomates, dependendo da época. Se acrescentarmos que esta é a horta mais bonita, alinhada e bem tratada de todo o núcleo de hortas do Museu Nacional do Traje, que fica localizado no Parque Botânico do Monteiro-Mor, chega a ela num abrir e fechar de olhos. E não fomos só nós a reparar. O arquiteto paisagista Rui Costa, responsável pelo parque e pela nossa visita, é nosso cúmplice. A "proprietária" do lote vizinho chama-se Cláudia Furtado, tem 35 anos e trabalha em farmacêutica. Quando a questionamos porque embarcou neste projeto, respondeu: "Pelo gosto de trabalhar a terra e cuidar dos legumes que foram semeados." Sem tom de crítica ou queixa, acrescenta: "Apesar de trabalhar a terra ser fisicamente exigente, é muito relaxante."

 

Tal como o vizinho, não foi a crise que a trouxe até aqui, apesar "ser um excelente complemento, quer por ser fruto do nosso trabalho quer pelo sabor dos produtos", remata.

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'QUE CADA UTILIZADOR APROVEITE BEM A ÁGUA'
 
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Falámos com Rui Costa, o arquiteto responsável pelo Parque Monteiro-Mor, e ficámos a saber o que é necessário fazer para se transformar num agricultor

Como são atribuídos os talhões? 
É preciso preencher a ficha de candidatura e participar na licitação (é fixada uma base por metro quadrado e por ano). Quem licitar o valor mais elevado tem mais hipóteses de o receber (em caso de empate é a proximidade da morada de residência que dita o selecionado).

Quais são as principais regras de funcionamento? 
Não pode abandonar o terreno, nem vedá-lo (é um parque aberto ao público). É obrigatório que cada utilizador faça uma boa utilização e aproveitamento da água proveniente das nascentes do parque e não é permitido cultivar árvores e arbustos.

Quando se realiza o próximo concurso? 
Em setembro.

Quantas parcelas existem? 
Atualmente, em cultivo, existem cerca de 30 talhões, com dimensões entre os 40 e os cem metros quadrados.

Quais são as culturas mais utilizadas? 
Couves, alfaces, favas, cebolas, nabiças, feijões, tomate, morangos, ervas aromáticas, groselhas, framboesas e maracujá.


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